aroeira

2006/02/20

discussão (comentário de Janeiro de 2004)

1. O Programa Polis

O Programa Polis desenvolve-se actualmente em diversas cidades do país. Visa desenvolver um conjunto de acções de valorização urbana e ambiental, sob a gestão de sociedades criadas para este efeito – neste caso, a Sociedade CostaPólis SA. – que obtêm um financiamento (previsto) de 75% de um fundo comunitário europeu.

Parece-nos uma excelente medida, a inclusão da Costa de Caparica neste conjunto de cidades, sendo de facto urgente a tomada de medidas de carácter urbano e ambiental que criem novas regras, valorizem e potencializem a Costa de Caparica, zona balnear de eleição de muitos, às portas da cidade de Lisboa.
Para além de uma frente de mar de cerca de 17 quilómetros, a Caparica dispõe ainda de vastos hectares de Matas Nacionais, uma Arriba Fóssil marcante, pinhais, dunas, zonas agrícolas…
Ainda que seja cada vez mais uma zona urbana às portas da capital, em que muita da construção foi desregrada, ou mesmo de génese ilegal, dispõe ainda de áreas incluídas na Reserva Ecológica Nacional (REN), Reserva Agrícola Nacional (RAN), e de uma Área Protegida da Arriba Fóssil da Costa da Caparica (APAFCC), de grande valor ecológico no quer no ponto de vista vegetal, quer das espécies animais aí existentes.



2. A Caparica

A Caparica, e não apenas a Costa da Caparica, necessitam de facto de muito trabalho no sentido da valorização urbana e ambiental, dos quais salientamos alguns pontos cruciais:
  • Protecção de dunas, das praias cuja areia tende a desaparecer;
  • Criação de apoios de praia que ofereçam aos veraneantes a qualidade e segurança que estes merecem, bem como estacionamentos regrados para as praias, com preocupação em reduzir ao máximo o seu impacto ambiental.
  • Demolição de bairros degradados ilegais, com realojamento regrado daqueles que o merecerem, em áreas bem definidas para o efeito;
  • Demarcação, protecção e valorização do antigo centro urbano da Costa de Caparica;
  • Reabilitação das quintas seculares e casas históricas que se perdem cada vez mais na malha urbana desregrada do Concelho de Almada (à semelhança do que a própria autarquia fez em alguns casos);
  • Criação de novas vias de acesso às diferentes zonas da Caparica, de modo a diminuir as intermináveis filas de trânsito nos dias quentes de verão, não apenas desagradáveis para os transeuntes, como perigosas por impossibilitarem a circulação (de todo), em caso de incêndio ou qualquer outro tipo de catástrofe;
  • Construção de infra-estruturas básicas de saneamento, onde elas ainda não existem, apesar das muitas construções devidamente licenciadas e sobre as quais são pagas elevadas taxas e impostos ao município.
  • Criação de equipamentos onde eles ainda não existem, apesar da densidade populacional actual do concelho: postos médicos, creches, infantários e escolas, postos de bombeiros e polícia, de modo a garantir a salubridade e segurança necessárias.Estes são apenas alguns dos aspectos que nos parecem a ter em conta, de carácter geral. Alguns são tomados em conta no Programa Polis, outros nem por isso. Outros são ainda tomados em conta, mas a sua solução não é, certamente, a mais acertada.

3. Objectivos do Programa Pólis

Antes de mais, algumas considerações sobre os objectivos dados como principais pela Sociedade CostaPólis SA. para o referido programa. São eles:

  • Restrição do trânsito automóvel e desenvolvimento de mobilidades alternativas;
  • Favorecimento da intermodalidade;
  • Reestruturação urbana para reforço e valorização do espaço público;
  • Valorização da estrutura verde;
  • Valorização das praias e da frente urbana litoral;
  • Potenciar a qualidade do uso balnear;
  • Requalificação ambiental;
  • Consolidação do perímetro urbano;
  • Planeamento de equipamentos.

4. Problemas Encontrados Face aos Objectivos

Estes objectivos parecem excelentes, caso fossem levados até às últimas consequências. No entanto, e no que se refere ao Plano de Pormenor dos Novos Parques de Campismo, eles parecem não ir muito além de vagas ideias.

Os referidos objectivos, deixam de fazer sentido se observarmos que, com a relocalização dos parques de campismo na zona da Aroeira (Pinhal do Inglês – Casa da Aroeira), acontece o seguinte:

  • O trânsito automóvel irá desenvolver-se exponencialmente na Aroeira, que vive actualmente dificuldades ao nível da circulação e acesso automóveis. Existem diversas ruas ainda por asfaltar, e os acessos à Charneca de Caparica são deficientes. Para além de um grande aumento de tráfego pendular (os utentes dos parques de campismo que se deslocam na época balnear e fins de semana), existirá ainda um significante aumento de circulação no acesso às praias. Mesmo que sejam criadas mobilidades alternativas, é óbvio que estas não serão preferidas por todos. Mesmo que fossem, estamos a falar de perto de 28.000 utentes, se incluirmos as crianças, o que representaria uma densidade excessiva de “mobilidades alternativas”. Ainda que se fale em autocarros movidos a combustíveis não poluentes, estaríamos a falar de mais de 500 autocarros com lotação de 50 pessoas (incomportável)!!
  • A estrutura verde, bem patente no Pinhal do Inglês, e em toda a Aroeira, não ficará em nada valorizada, com o abate de hectares de pinhal (ainda que não na sua totalidade). Do mesmo modo, a Mata Nacional dos Medos, que confina com o Pinhal do Inglês, também não ficará em nada beneficiada com o aumento de tráfego automóvel, aumento da circulação pedonal…
  • A qualidade do uso balnear poderá ser melhorada pelo programa Polis, mas não em toda a extensão da frente de praias, uma vez que a Fonte da Telha – praia que se encontra mais próxima da nova localização dos três grandes novos parques de campismo – não se encontra incluída no Programa Polis, permanecendo sem qualquer tipo de plano de pormenor que a requalifique, até à data.
  • É certo que há uma requalificação ambiental do cordão dunar junto aos parques de campismo existentes, e que se sobrepõem numa determinada área à própria duna. No entanto, há uma grande desqualificação ao sobrepor os novos parques de campismo, numa área que ocupa bem mais de 50 hectares de pinhal, inserido na sua totalidade na Área Protegida da Arriba Fóssil da Costa de Caparica.
  • As preocupações de consolidação do perímetro urbano, não vão muito além da Costa de Caparica, não chegando, pelo menos, à nova localização dos parques de campismo. Isto dá a ideia de que eles foram aqui “encaixados” de um modo pouco ponderado, e que nos parece comprometer o referido plano de pormenor.
  • Para a área envolvente dos novos parques de campismo, não são previstos pelo plano quaisquer equipamentos, de modo a suportar a sua localização nesta zona.

Entende-se que a localização original dos parques de campismo não é, de todo, adequada. Nem do ponto de vista dos utentes dos parques – uma vez que os mesmos não reúnem as condições de higiene, salubridade e espaço desejáveis – nem do ponto de vista puramente ambiental – pois os parques situam-se sobre a praia, fragilizando o tão importante cordão dunar, o que põe em causa o ambiente e a segurança de todos. Não se trata apenas de um pequeno parque de campismo, mas de vários hectares de campismo desregrado e sem qualidade, com problemas que podem ter sérias consequências.

Ainda que a sua remoção deste local seja urgente, não será seguramente a melhor solução, a sua implantação num dos maiores pulmões em torno da cidade de Lisboa, junto a uma Mata Nacional, ocupando uma grande área de Paisagem Protegida. Muito menos no âmbito de um programa que se diz de carácter ambiental, apoiado pelo Ministério do Ambiente.

De modo a melhor se entender a gravidade da situação, vamos sistematizar este conjunto de observações sobre o Plano de Pormenor dos Parques de Campismo (actualmente em discussão pública), em duas partes: a primeira no que se refere ao plano de pormenor em si, enquanto projecto de arquitectura num dado terreno – fazendo o exercício incorrecto de nos alhearmos do envolvente. Seguidamente, faremos algumas considerações considerando o envolvente.

5. O Plano de Pormenor Apresentado

Ainda que não seja correcto em qualquer tipo de projecto, numa análise ao Plano de Pormenor em que ignoramos o envolvente, deparamos com um terreno de cerca de 100 hectares de pinhal bravo, de topografia praticamente plana, o que permite, de facto, a criação de uma zona de campismo arborizada, com sombras e boa circulação no interior do parque. O projecto estrutura uma via de circulação marginal, com quatro faixas e três rotundas, que partimos do princípio que se encontram devidamente dimensionadas para a população máxima prevista.

São criadas zonas de estacionamento, que apesar da sua extensão (visível no plano), são insuficientes para o ratio actual de viaturas por família – prevê-se a ocupação de cada viatura com cinco ocupantes, e apenas espaço para 70% destas viaturas no estacionamento.

Apesar dos muitos pinheiros que teriam de ser abatidos, de modo permitir a construção da referida via, parques de estacionamento, vias internas de circulação nos três parques, espaços de alvéolos e de tendas, as construções de apoio previstas… é deixada uma mancha verde a poente (junto à Mata dos Nacional Medos), que ajudaria a fazer a transição entre os dois espaços, procurando defender a reserva ecológica. Também a nascente, junto à zona urbana de baixa densidade (moradias) existente, é deixado um espaço de pinhal que procura distanciar os parques das habitações. Parece-nos que este espaço de protecção, que tem apenas 25 a 30 metros na grande maioria da sua extensão, é insuficiente para garantir baixos níveis de ruído, e mesmo um tipo de vivência aproximado ao actual.

Já a sul, não é deixado qualquer espaço de transição entre as moradias existentes e o parque de campismo, confinando o próprio parque com os muros das habitações, o que nos parece de todo inaceitável.Quanto à generalidade do plano de pormenor, acreditamos que, encontrando-se de acordo com a legislação vigente para parques de campismo, poderá melhorar um pouco o tipo de utilização que é feita actualmente nos parques de campismo na Costa de Caparica, sobejamente conhecida, embora dada a dimensão excessiva do conjunto dos três parques de campismo nesta área possa manter diversos problemas existentes.

6. O Plano no Terreno e no Envolvente

Ao considerar o envolvente do terreno para onde se prevê neste plano a localização dos parques de campismo, são vários os problemas graves que nos surgem.

Em relação ao próprio terreno, ele confina com a Mata Nacional dos Medos (Reserva Ecológica Nacional), encontrando-se inserido na Paisagem Protegida da Arriba Fóssil da Costa de Caparica. É uma zona ambientalmente sensível, a proteger (como o próprio nome indica).

De acordo com o Instituto de Conservação da Natureza, sob a tutela do Ministério do Ambiente, a ocupação para o terreno deveria proteger ao máximo o coberto vegetal existente, mantendo a permeabilidade do terreno, e minimizando as construções impermeáveis e não amovíveis. Colhido o seu parecer seria fixado um máximo de 1 a 3% de ocupação com estas construções, tendo sido ignorado este parecer e fixado no actual plano de pormenor em discussão uma percentagem de cerca de 15%.

Em relação à zona em que se insere, a Aroeira, é uma zona definida no Plano Director Municipal como zona urbana de baixa densidade, não programada – o que limita bastante a área de ocupação das construções e número de pisos. Sendo uma zona não programada, encontram-se neste momento impedidas novas construções, fora dos loteamentos anteriormente aprovados, bem como novos loteamentos, ainda que se localizem em áreas devidamente providas de infra-estruturas.

É curioso que seja justamente aqui que se prevê a construção de três grandes parques de campismo. Ainda no Plano Director Municipal de Almada, é previsto para a área deste terreno: um hotel, um conjunto de moradias ao longo da estrada principal em direcção à Fonte da Telha (actualmente designada por Rua D. Pedro V), e um pequeno parque de caravanismo, ou campismo. No entanto, não se encontram planeados 3 grandes parques de campismo. Como em tantos outros casos, esperamos que também desta vez a Câmara Municipal possa manter o cumprimento integral do Plano em vigor, sem qualquer tipo de excepção – desta vez ainda justificada pelos aspectos que se seguem.

No que se refere a infra-estruturas básicas de água e saneamento, e apesar do esforço que se tem feito sentir por parte dos Serviços Municipalizados de Água e Saneamento de Almada em resolver esta situação, ainda se vive nesta área uma situação algo deficiente, ao nível do abastecimento de água, e ao nível da conclusão da rede de esgotos da Aroeira. A situação que por vezes é já complicada para os residentes tornar-se-ia incomportável com tal dimensão de ocupação.

Na Aroeira existem ainda diversas ruas por asfaltar, sendo algumas destas as vias principais de circulação na Aroeira: Avenida Pedro Costa, Avenida Pedro Álvares Cabral, Avenida Sacadura Cabral, sendo esta última onde desemboca a última rotunda da nova via que serviria os parques de campismo, aquela que facultaria o acesso à Praia da Fonte da Telha. Não é conhecido quando será alcatroada a referida avenida, e mesmo que o seja, será sempre uma via com apenas duas faixas de rodagem, que não daria continuidade à nova via criada, não suportando o tráfego automóvel previsível.

Ainda no que respeita à rede viária, recordamos que a Via Turística, também prevista para esta área no Plano Director Municipal, e que iria servir a Charneca de Caparica e a Aroeira, foi chumbada após todos os pedidos de recurso, num processo sobejamente conhecido, por cortar uma parte da Mata Nacional dos Medos, no seu traçado entre a zona do “Giramar”, junto à NATO, e a Aroeira. Assim sendo, o acesso principal ao campismo continua a ver-se altamente comprometido, sendo óbvio que não se poderá fazer pela antiga estrada nacional da Charneca de Caparica, já congestionada no tempo quente.

Em relação à segurança, gostaríamos de salientar que esta freguesia, há muito há espera de um quartel da Guarda Nacional Republicana, vive problemas de segurança graves, que seria agravados com um acréscimo de população residente, que quase duplica a população actual da Charneca.

Também no que se refere à segurança contra incêndios, veríamos agravada uma situação que é já preocupante. Não existem bombeiros por perto, e as estradas existentes não possibilitam a passagem de carros em situação de emergência nos dias de verão, em que para além das intermináveis filas de trânsito, encontramos viaturas estacionadas nos locais menos adequados.

No que se refere a outro tipo de equipamentos, temos apenas um centro de saúde na Charneca, cuja lista de espera para utentes sem médico é já interminável. Ora se os residentes da Freguesia encontram dificuldades nas consultas médicas e de urgência, como seria a situação com mais de 28.000 potenciais utentes?

Restam algumas questões relativamente a este plano por esclarecer. Não conseguimos entender porque é que, face a todo o exposto anteriormente, a Sociedade CostaPólis encontrou na sua melhor solução (ou terá sido a única), um terreno privado (que requer uma expropriação dispendiosa), numa freguesia independente da Costa da Caparica, que não fazia parte das áreas abrangidas pelo plano inicial do Programa Pólis, para a transferência dos parques de campismo… Há necessidade de reduzir a área dos parques face ao existente na Costa de Caparica, mas porque é que estes não podem simplesmente recuar até aos limites legais, onde se encontram actualmente? Porque é que não poderão aqui ser criadas as condições para o campismo (arborização, infra-estruturas…).

Em última instância, os parques poderiam passar para o lado oposto da estrada que aí circula. Ou talvez o interesse em rentabilizar esses terrenos prevaleça neste plano, projectando largos lucros com a criação de uma grande zona urbana de média densidade (como está definida pelo Pólis), perto da frente de praias, e então longe dos parques de campismo…

Será que não existirão terrenos do estado disponíveis para a transferência dos parques de campismo? Se esta foi a melhor alternativa encontrada, quais foram as outras?

Por fim, parece-nos que não faz qualquer sentido sequer a colocação em discussão pública, de um plano desta dimensão, que pelos motivos apresentados não se pode sustentar a si mesmo. Dadas as condicionantes actuais, parece-nos claro que haverá muito ainda a fazer para que a Aroeira, bem como a Freguesia da Charneca de Caparica possam acolher um projecto desta dimensão.Mesmo a Freguesia da Costa de Caparica, mais desenvolvida a todos os níveis do que a da Charneca, mostra dificuldades diversas na época balnear, muitas delas decorrentes da ocupação excessiva por campistas. Esse problema, que hoje se tenta resolver com o Programa Polis, não poderá passar por empurrar uma solução fácil para a Freguesia da Charneca de Caparica, para um terreno privado junto à Praia da Fonte da Telha, esta mesma dotada de uma ausência total de infra-estruturas (esgotos, estacionamentos, asfalto ou pavimento regular…). Se atendermos que esta mesma praia, que já actualmente têm um número excessivo de utilizadores na época balnear, é deixada de fora pelo Programa Polis, fica claro, mais uma vez, que muito se encontra por fazer antes de propor a aprovação deste plano de pormenor. Resta referir que esta praia faz parte da Freguesia da Costa de Caparica.

Pelos motivos atrás apresentados, apelamos ao bom senso de todos os intervenientes para que seja travado este plano de pormenor, agora em discussão pública. Discordamos absolutamente dos termos em que se encontra elaborado, e acusamos que o mesmo não cumpre os objectivos do próprio Programa Polis.

A Comissão de Local de Acompanhamento do Programa Pólis para este projecto não contemplava, inicialmente, nenhuma das diversas comissões de moradores e proprietários da Aroeira. Procurou-se assim esconder soluções até perto do final, tentando que poucos saibam o que está previsto, esperando que o prazo de discussão seja tão breve quanto possível, sem que os lezados tenham tempo para se organizar. É isto que sentimos, e a prova são os muitos moradores que permanecem na ignorância, pelo pouco que se fala sobre o plano do Programa Pólis para a Aroeira. Não se trata apenas do Pinhal do Inglês.